APRENDENDO
A VIVER SEM AS MÃOS
Por
Flávio Peralta
Como posso esquecer o dia 21 de agosto
de 1997? Esse dia está marcado em minha memória e jamais vou esquecê-lo.
Naquela época eu trabalhava em uma empresa que fazia troca de transformador de
alta tensão. Logo após o almoço saímos para fazer uma troca em uma chácara, eu
e o motorista do caminhão munck. Quando cheguei ao local desci do caminhão e
pensei: “Vai ser moleza. Logo vou embora daqui”. Peguei todos os materiais em
cima do caminhão e comecei a me preparar. Coloquei o cinto, o capacete que
estava sem garra para prendê-lo, a luva furada, o aterramento que não funcionava
direito e o detector de metal que não apitava nada mais. Coloquei a escada no
poste e comecei a subir os degraus. Um, dois, três e de repente tudo escureceu.
“Meu Deus o que aconteceu comigo?”, um rápido pensamento passou em minha cabeça
e naquele momento uma forte corrente elétrica percorreu o meu corpo todo. A
descarga de 13.800 volts foi muito forte para mim, com 1,93 metros de altura.
Meu corpo ficou ali pendurado enquanto o motorista e a caseira da chácara
soltavam gritos desesperados.
Imediatamente chamaram a equipe de
resgate dos bombeiros e logo o Bombeiro Paiva estava subindo na escada para me
resgatar. Naquele momento de desespero nenhum deles pensaram que a alta tensão
estava ligada. Com toda sabedoria possível, Paiva colocou outro cinto em mim e
cortou o cinto que me prendia ao poste. Com muito cuidado prenderem no cinto no
caminhão munck e eu desci ao solo. Eu gemia e sussurava ao ouvido do bombeiro
que eu não queria morrer. Ele também sussurrou: “Você não vai morrer”. Ali
mesmo, cortaram minha perna na altura do tornozelo e já injetaram morfina, pois
eu gritava de dor.
Aí começaria uma longa história em
minha vida. Saímos daquele local com uma sirene disparada em direção ao pronto
socorro. Meus braços estavam queimados e parte do pé esquerdo também estava machucada.
Foi por ali que a corrente elétrica saiu de mim. Fiquei no pronto socorro
aguardando uma vaga na UTI e de repente vejo meu pai ao meu lado. Meu desespero
foi tão grande que expulsei dali e pedi para que fosse embora. Vi que meu pai
saiu dali chorando muito e saiu em direção à rua. Quanta dor ele sentiu. Quando
surgiu uma vaga na UTI foi para lá que eu fui. Eu já nem sabia mais onde
estava, pois, fiquei inconsciente. Meus rins não estavam funcionando e se eles
não funcionassem, eu estaria morto hoje. Por três dias eu urinei sangue e tudo
que minha família fazia era orar por mim. Aos 29 anos eu estava entre a vida e
a morte e eles queriam muito que eu vivesse.
Medicamentos fortes e caros salvaram
meus rins e ele voltou a filtrar meu sangue novamente. Após passar isso, a nova
preocupação seria em tentar recuperar os meus braços que estavam queimados,
devido ao choque. Minha irmã dizia: “Os braços dele estão lá, então está tudo
bem, não é mesmo?” Perguntava ela para os médicos, mas eles sabiam que ali não
havia mais sangue, nem mais vida. Infelizmente não teria mais jeito e a única
possibilidade seria a amputação dos braços. Eu estava inconsciente e não sabia
o que estava acontecendo. A autorização para fazer a amputação ficou para os meus
pais. O que não deve ter sido muito fácil para eles. Imagine para um pai pegar
numa caneta para mandar tirar uma parte de seu filho que nasceu perfeito. Deve
ter sido muito difícil para ele.
Eu não fiz somente uma amputação, fiz
várias. Foram muitas as assinaturas até que encontraram um ponto certo para
garantir circulação de sangue e vida para mim. De repente me vejo ali deitado
naquela cama com somente cotos enfaixados. Dentro de mim a dor tomava conta,
mas eu me fazia de forte para não fazer minha família sofrer mais ainda. O pior
ainda estava por vir: a fase dos curativos.
Quando a enfermeira chegava no quarto me
dava vontade de sair correndo, pular aquela janela e nunca mais voltar. Eu
sabia que a tortura ia começar. Com os braços abertos para fazer a limpeza
sentia uma dor insuportável. Então, para aliviar tudo eu colocava gazes na
minha boca para poder gritar de dor e para que as outras pessoas não se
assustassem com os meus gritos. Eu mordia e extravasava meus sentimentos e
pavor. Após 40 dias, mais ou menos, eu recebi uma excelente notícia: eu já
estava liberado para fazer o primeiro enxerto. Agora seria o momento de fazer
uma plástica no que restou. O médico tirou a pele da minha perna para fazer o
enxerto nos braços e eu fiquei orando para que não houvesse rejeição.
E foi assim, entre uma cirurgia e
outra que tive alta do hospital e fui para casa. Quer dizer para a casa de
minha irmã, pois, como meus pais iriam cuidar de mim? Seria muito difícil. Ela
me acolheu e fez de tudo por mim. Mas, eu sabia que ainda tinha uma longa
jornada para percorrer. Foi então que fomos para São Paulo e coloquei um
aparelho chamado Ilizarove para aumentar meu coto em seis centímetros. Foram
sete meses de angústia com aquele ferro. Mas, a morte me rodeava de novo e quase
morri na sala de cirurgia para retirar o aparelho, eu tive um choque
anafilático. Quando já havia me recuperado eu sabia que ainda restava uma
última cirurgia: o enxerto de pele para suportar a prótese. O médico tentou
tirar a pele da barriga, mas houve rejeição. Tive então, que colar o braço na
barriga por 30 dias. Aí, deu certo e a pele da barriga foi parar na ponta do
braço. Essa cirurgia existe há mais de 50 anos. Depois de tudo isto já tinha
feito mais de 11 cirurgias e estava pronto para fazer colocação das próteses.
Em 1999 eu coloquei a prótese no braço
esquerdo e sou um homem realizado, pois, faço muitas coisas com ela e criei
minha independência. E quanto ao amor? Eu pensava. Foi então que em 1999 também
encontrei o grande amor da minha vida: Jane. E com ela eu passei a melhor
experiência de minha vida: ser pai do Vinicius que hoje está com oito anos de
idade.
Quando criei o site
www.amputadosvencedores.com.br em 2001
não pensei que fosse encontrar um novo sentido para a vida. Foi através dele
que me tornei palestrante e alerto os trabalhadores desse Brasil sobre a
importância de se seguir as normas de segurança do trabalho. Tivemos o
privilégio de criar a cartilha “Vamos Praticar Segurança do Trabalho” e ser
autor do livro Amputados Vencedores – Porque a Vida Continua, lançado em 2010,
pela editora Nobel.
POR TUDO ISSO, AGRADEÇO
AOS MEUS PAIS, MEUS FAMILIARES E AMIGOS PELO APOIO E PELA FORÇA QUE ME DERAM.
TAMBÉM AGRADEÇO ÀS
PESSOAS QUE ME FIZERAM DESCOBRIR O QUE ERA O AMOR: A MINHA ESPOSA JANe E AO MEU
FILHO VINICIUS.
Nenhum comentário:
Postar um comentário