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terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Palestrante Flávio Peralta,conta sua história,choque 13.800 volts

APRENDENDO A VIVER SEM AS MÃOS

Por Flávio Peralta

Como posso esquecer o dia 21 de agosto de 1997? Esse dia está marcado em minha memória e jamais vou esquecê-lo. Naquela época eu trabalhava em uma empresa que fazia troca de transformador de alta tensão. Logo após o almoço saímos para fazer uma troca em uma chácara, eu e o motorista do caminhão munck. Quando cheguei ao local desci do caminhão e pensei: “Vai ser moleza. Logo vou embora daqui”. Peguei todos os materiais em cima do caminhão e comecei a me preparar. Coloquei o cinto, o capacete que estava sem garra para prendê-lo, a luva furada, o aterramento que não funcionava direito e o detector de metal que não apitava nada mais. Coloquei a escada no poste e comecei a subir os degraus. Um, dois, três e de repente tudo escureceu. “Meu Deus o que aconteceu comigo?”, um rápido pensamento passou em minha cabeça e naquele momento uma forte corrente elétrica percorreu o meu corpo todo. A descarga de 13.800 volts foi muito forte para mim, com 1,93 metros de altura. Meu corpo ficou ali pendurado enquanto o motorista e a caseira da chácara soltavam gritos desesperados.

Imediatamente chamaram a equipe de resgate dos bombeiros e logo o Bombeiro Paiva estava subindo na escada para me resgatar. Naquele momento de desespero nenhum deles pensaram que a alta tensão estava ligada. Com toda sabedoria possível, Paiva colocou outro cinto em mim e cortou o cinto que me prendia ao poste. Com muito cuidado prenderem no cinto no caminhão munck e eu desci ao solo. Eu gemia e sussurava ao ouvido do bombeiro que eu não queria morrer. Ele também sussurrou: “Você não vai morrer”. Ali mesmo, cortaram minha perna na altura do tornozelo e já injetaram morfina, pois eu gritava de dor.
Aí começaria uma longa história em minha vida. Saímos daquele local com uma sirene disparada em direção ao pronto socorro. Meus braços estavam queimados e parte do pé esquerdo também estava machucada. Foi por ali que a corrente elétrica saiu de mim. Fiquei no pronto socorro aguardando uma vaga na UTI e de repente vejo meu pai ao meu lado. Meu desespero foi tão grande que expulsei dali e pedi para que fosse embora. Vi que meu pai saiu dali chorando muito e saiu em direção à rua. Quanta dor ele sentiu. Quando surgiu uma vaga na UTI foi para lá que eu fui. Eu já nem sabia mais onde estava, pois, fiquei inconsciente. Meus rins não estavam funcionando e se eles não funcionassem, eu estaria morto hoje. Por três dias eu urinei sangue e tudo que minha família fazia era orar por mim. Aos 29 anos eu estava entre a vida e a morte e eles queriam muito que eu vivesse.
Medicamentos fortes e caros salvaram meus rins e ele voltou a filtrar meu sangue novamente. Após passar isso, a nova preocupação seria em tentar recuperar os meus braços que estavam queimados, devido ao choque. Minha irmã dizia: “Os braços dele estão lá, então está tudo bem, não é mesmo?” Perguntava ela para os médicos, mas eles sabiam que ali não havia mais sangue, nem mais vida. Infelizmente não teria mais jeito e a única possibilidade seria a amputação dos braços. Eu estava inconsciente e não sabia o que estava acontecendo. A autorização para fazer a amputação ficou para os meus pais. O que não deve ter sido muito fácil para eles. Imagine para um pai pegar numa caneta para mandar tirar uma parte de seu filho que nasceu perfeito. Deve ter sido muito difícil para ele.
Eu não fiz somente uma amputação, fiz várias. Foram muitas as assinaturas até que encontraram um ponto certo para garantir circulação de sangue e vida para mim. De repente me vejo ali deitado naquela cama com somente cotos enfaixados. Dentro de mim a dor tomava conta, mas eu me fazia de forte para não fazer minha família sofrer mais ainda. O pior ainda estava por vir: a fase dos curativos.
Quando a enfermeira chegava no quarto me dava vontade de sair correndo, pular aquela janela e nunca mais voltar. Eu sabia que a tortura ia começar. Com os braços abertos para fazer a limpeza sentia uma dor insuportável. Então, para aliviar tudo eu colocava gazes na minha boca para poder gritar de dor e para que as outras pessoas não se assustassem com os meus gritos. Eu mordia e extravasava meus sentimentos e pavor. Após 40 dias, mais ou menos, eu recebi uma excelente notícia: eu já estava liberado para fazer o primeiro enxerto. Agora seria o momento de fazer uma plástica no que restou. O médico tirou a pele da minha perna para fazer o enxerto nos braços e eu fiquei orando para que não houvesse rejeição.
E foi assim, entre uma cirurgia e outra que tive alta do hospital e fui para casa. Quer dizer para a casa de minha irmã, pois, como meus pais iriam cuidar de mim? Seria muito difícil. Ela me acolheu e fez de tudo por mim. Mas, eu sabia que ainda tinha uma longa jornada para percorrer. Foi então que fomos para São Paulo e coloquei um aparelho chamado Ilizarove para aumentar meu coto em seis centímetros. Foram sete meses de angústia com aquele ferro. Mas, a morte me rodeava de novo e quase morri na sala de cirurgia para retirar o aparelho, eu tive um choque anafilático. Quando já havia me recuperado eu sabia que ainda restava uma última cirurgia: o enxerto de pele para suportar a prótese. O médico tentou tirar a pele da barriga, mas houve rejeição. Tive então, que colar o braço na barriga por 30 dias. Aí, deu certo e a pele da barriga foi parar na ponta do braço. Essa cirurgia existe há mais de 50 anos. Depois de tudo isto já tinha feito mais de 11 cirurgias e estava pronto para fazer colocação das próteses.
Em 1999 eu coloquei a prótese no braço esquerdo e sou um homem realizado, pois, faço muitas coisas com ela e criei minha independência. E quanto ao amor? Eu pensava. Foi então que em 1999 também encontrei o grande amor da minha vida: Jane. E com ela eu passei a melhor experiência de minha vida: ser pai do Vinicius que hoje está com oito anos de idade.
Quando criei o site www.amputadosvencedores.com.br  em 2001 não pensei que fosse encontrar um novo sentido para a vida. Foi através dele que me tornei palestrante e alerto os trabalhadores desse Brasil sobre a importância de se seguir as normas de segurança do trabalho. Tivemos o privilégio de criar a cartilha “Vamos Praticar Segurança do Trabalho” e ser autor do livro Amputados Vencedores – Porque a Vida Continua, lançado em 2010, pela editora Nobel.

 
POR TUDO ISSO, AGRADEÇO AOS MEUS PAIS, MEUS FAMILIARES E AMIGOS PELO APOIO E PELA FORÇA QUE ME DERAM.

TAMBÉM AGRADEÇO ÀS PESSOAS QUE ME FIZERAM DESCOBRIR O QUE ERA O AMOR: A MINHA ESPOSA JANe E AO MEU FILHO VINICIUS.